quinta-feira, 21 de março de 2013

O verbo no Infinito

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer de tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Ninho


Sem-Fim

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.

Cecília Meireles

Rochedo


LXXXIX

Quando morrer quero as tuas mãos nos meus olhos:
quero que a luz e o trigo das tuas mãos amadas
passem uma vez mais em mim a sua frescura:
que sintam a suavidade que mudou meu destino.

Quero que vivas enquanto eu, dormindo, te espero,
quero que os teus ouvidos continuem a ouvir o vento,
que sintas o perfume do mar que ambos amamos
e continues a pisar a areia que pisamos.

Quero que tudo o que amo continue vivo,
E a ti amei-te e cantei-te sobre todas as coisas,
Por isso fica tu florescendo, florida,

Para que alcances tudo o que este amor te ordena,
Para que esta sombra passei pelos teus cabelos,
Para que assim conheçam a razão do meu canto.

Pablo Neruda

domingo, 18 de maio de 2008

Mar


Cativeiro

Quando é que o cativeiro,
Acabará em mim,
E, próprio dianteiro,
Avançarei enfim?

Quando é que me desato
Dos laços que me dei?
Quando serei um facto?
Quando é que me serei?

Quando, ao virar da esquina,
De qualquer dia meu,
Me acharei alma digna,
Da alma que Deus me deu?

Quando é que será quando?
Não sei. E até então,
Viverei perguntando:
Perguntarei em vão.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Campo


Serenata

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

Cecilia Meireles

Avenida


 

Montanhas

Se não houvesse montanhas!
Se não houvesse paredes!
Se o sonho tecesse malhas
e os braços colhessem redes!

Se a noite e o dia passassem
como nuvens, sem cadeias,
e os instantes da memória
fossem vento nas areias!

Se não houvesse saudade,
Solidão nem despedida...
Se a vida inteira não fosse,
Além de breve, perdida!

Eu não tinha cavalo de asas,
que morreu sem ter nascido,
E em labirintos se movem,
Os fantasmas que persigo.

Cecília Meireles

domingo, 4 de maio de 2008

Monsaraz


O teu nome

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante
que todas as estrelas
e mais dolente
que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Garcia Lorca

Monsaraz


Forte da Figueira


Há noites

Há noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.

Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.

Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.

Autor desconhecido

Porto Mós


quarta-feira, 9 de abril de 2008

Preparação

Ainda não estou preparado para te perder,
Não estou preparado para que me deixes só.
Ainda não estou preparado para crescer,
E aceitar que é natural
Para reconhecer que tudo tem
Um princípio e tem um final.

Ainda não estou preparado para não te ter,
E somente recordar-te.
Ainda não estou preparado para não poder ouvir-te,
Ou não poder falar-te,
Não estou preparado para que não me abraces,
E para não poder abraçar-te.

Ainda preciso de ti,
E ainda não estou preparado para caminhar
pelo mundo perguntando-me...porque?
Não estou preparado hoje nem nunca estarei.

Pablo Neruda

Açores


António Cintra

terça-feira, 8 de abril de 2008

Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê,
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.
Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol,
Sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso,
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda

domingo, 30 de março de 2008

Braga


O teu riso

Tira-me o pão,
se quiseres,
tira-me o ar,
mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe o céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosada minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

Sesimbra



Por vezes

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos, E por vezes

Encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos.
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes.

Ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos.

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira

Ha-long-bay


António Cintra

segunda-feira, 17 de março de 2008

Múrmurio

Traz-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traz-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traz-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!

Cecília Meireles

Primavera


Cinco Coisas

Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim,
A segunda é ver o outono,
A terceira é o grave inverno,
Em quarto lugar o verão,
A quinta coisa são teus olhos...
Não quero dormir sem os teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que me continues a olhar.

Pablo Neruda


domingo, 16 de março de 2008

Me Kong

António Cintra

Pescadora de Sonhos

Sou pescadora de sonhos,
E ando pelo mar,
Ocupo um barco velho,
Sempre que vou navegar.

Quando tem a vela rasgada,
Avanço a derivar,
Sempre à procura de um sonho,
Que me queira acompanhar.

Quando o mar está revolto
Fico em terra a desfrutar,
Do cheiro das saudades das ondas,
Em que me deixo embalar.

Quando o mar está calmo,
Fico no barco deitada a sonhar,
A viver e a devorar o sonho,
Que acabei de pescar.

Pescadora de Sonhos

António Cintra

Existe

Há momentos em que te consigo ver,
É nesses momentos que sinto prazer,
Há momentos que te posso sentir,
E nesses momentos só posso sorrir.

Há dias em que sei és feliz,
E nesses dias sou feliz também,
Há dias em que a sombra não se contém,
E nesses dias tudo se contradiz.

Há horas em que sei falar,
E nessas horas sei o que quero contar,
Há horas em que não me consigo calar,
É nessas horas que tenho medo de me expressar.

Há segundos em que quero duvidar,
E nesses segundos não sei como querer,
Há segundos que procuro entender,
É nesses segundos que me sinto a ceder.

domingo, 9 de março de 2008

sexta-feira, 7 de março de 2008

Transparência

António Cintra

Tempo

Nunca é tarde
Uma pessoa que é gente, homem, mulher.

Amar, sonhar, olhar, zangar
Uma outra vez
Largar começar

Contar a quem passar que o
Ontem não interessa recordar

Estranha fruta encontrada no chão de uma casa onde gente
Grande, pequena espera, sabe-se lá,
Talvez vida, outro, não se viu falar,
Tempo, porque?
Olhos na televisão pés na mesa,
Sombras nas sombras, nada e tudo. Mudar...
Tudo tudo tudo

Esperar o tempo
Mostrar
Gente
Renascer e viver

Amar, sonhar, olhar, zangar
Uma, outra vez
Largar...começar

José E. Abreu

quinta-feira, 6 de março de 2008

Razante

António Cintra

Caminho

Marca bem a tua estrada,
Para que a possa seguir,
Traça o meu caminho,
Não me faças desistir.

Sem estradas sinuosas,
Sem descidas vertiginosas,
Sem manobras perigosas,
Sem árvores tenebrosas.

Marca fundo as tuas pegadas,
Para que não as consiga perder,
Por mais alto que a maré suba,
Que nunca deixe de as ver.

Sem pressa de chegar,
Sem lembranças para carregar,
Sem histórias para arrastar,
Apenas tu, a areia e o mar.

Simetria

António Cintra

quarta-feira, 5 de março de 2008

Mudanças

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões