quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Ameaça

Um dia vais arrepender-te!

Vou fazer-me explodir em palavras diante de ti,
E vamos morrer os dois cravados de sentidos.

Pedro Canais

Beija

Dá-lhe um beijo,
Num ímpeto,
Num embate,
Um conforto,
Um ser inteiro.

Um dia,
Num instante,
Num extremo,
Com requinte,
Um ser sublime.

Dá-lhe um beijo,
Num desígnio,
Numa revolta,
Sem volta,
Um ser perdido.

Uma noite,
Num sumiço,
Num suplício,
Com sussurros,
Um ser paixão.

Telhado


Casa

Se algum dia por acaso,
Eu voltar a rasgar a tua latitude neste planeta,
Podes abocanhar-me,
Caçar-me com os incisivos balançar-me na boca.

Não aceites as minhas habituais desculpas
De nómada
Nem
Acredites quando te disser que tudo o que tenho
Cabe dentro de uma mala.

Começa por esconder-me os sapatos

Convence-me a destruir os mapas de viagem
E a engolir âncoras pedras uma morada
Com número na porta.

Mesmo que o meu desassossego geográfico
Estremeça a perna direita
Debaixo da mesa e agite o metal dos talheres
Não hesites
Leva-me para tua casa

Prova-me que não tenho de apanhar o último comboio da noite
Que incendeia a costa e que me ajuda
A fugir todas as madrugadas

Recebe-me nas zonas sem roupa
Do teu corpo

Manobra-me a língua
Usa-me

Quando a tua carne já não precisar de mim
Amarra-me
Cuida do meu sono temporário

Obriga-me a dizer-te aquilo que os meus dentes
Sem coração nunca autorizaram:

Esta noite durmo contigo.

Hugo Gonçalves

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

2004


Soneto da Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento,
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto,
Que mesmo em face do maior encanto,
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento,
E em seu louvor hei de espalhar meu canto,
E rir meu riso e derramar meu pranto,
Ao seu pesar ou seu contentamento,

E assim, quando mais tarde me procure,
Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Quem sabe a solidão, fim de quem ama.

Eu possa me dizer do amor que tive,
Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Pedras


Lutas...

Só o que queres ouvir
Não to direi,
Terás que o sentir,
Só assim lutarei.

Guarda as armas,
Aprende a conquistar,
O mundo já caiu por menos,
Só terás que o cativar.

Usa flores,
Esquece os tristes amores,
Enfeita o teu reino,
Só assim vencerás.

Conta histórias,
Dos teus feitos e vitórias,
Engrandece o teu ser,
Só assim me irei render.

Tudo o que já ouviste,
Não irei repetir,
Terás que te lembrar,
Só assim me deixarei embalar.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Eternidade


Mudança

Há um tempo em que é preciso,
abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo…
E esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre,
aos mesmos lugares.

É o tempo
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Cantigas

Fico à espera no sossego,
Que apareças para me ver,
E tu chegas de mansinho,
Fazendo o meu chão tremer.

Entre ditos e não ditos,
Não há nada para falar,
Eu apago as entrelinhas,
Para continuares a tentar.

Entre o ir e o ficar,
Entre o dar e o não dar
Tu procuras o mistério,
Que me faz desconcertar.

Entre palavras e beijos,
A diferença vai tardar,
Eu faço das tuas minhas,
E dos meus para te dar.

E assim se passam dias,
Em que me vens visitar,
Numa agitação escondida,
Que se espera dissipar.

Deriva


segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Choques

O espelho que reflecte,
Num constante ir e vir,
Como um mar que se repete,
E que se apressa em me engolir.

Um reflexo que se move,
Que se lança e me que envolve,
Como uma onda que se agita,
E sobre mim se precipita.

A luz que se acende,
Que me aquece e me prende,
Como uma gota que me sacia,
E numa só corrente me arrepia.

Atalhos


Poética

De manhã escureço,
De dia tardo,
De tarde anoiteço,
De noite ardo.

A oeste a morte,
Contra quem vivo,
Do sul cativo,
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Vinicius de Moraes

sábado, 20 de outubro de 2007

Escudo


Partes

Hoje dou-te uma parte de mim,
Para amanhã não me esqueceres,
Talvez por não saber o que é melhor,
E não haver razão para entenderes.

Hoje tiro-te uma parte de mim,
Para conheceres quem sou,
Talvez para me procurares,
E em mim te encontrares.

Não te darei uma parte de nós,
Quando a vontade queimar,
E então em alvoroço te poderei afastar.

Dar-te-ei uma parte de nós,
Quando o tempo parar,
E então em surdina te poderei beijar.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Alimenta


Ser

Mais mundo,
Mais vida,
Mais tudo,
Ser outro…

Menos exigente,
Menos coerente,
Menos pensante,
Ser diferente…

Menos dor,
Menos lágrimas,
Menos sonhos,
Ser novo…

Mais sangue,
Mais amor,
Mais desejo,
Ser reinventado.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Arrisca


Sente

Não tenhas medo de sentir,
Por pensares que vai doer,
As feridas não vão abrir,
Por as quereres compreender.

Não tenhas medo de cair,
Por pensares que vais parar,
As cicatrizes estão seladas,
Por mais que teimem em rasgar.

Não tenhas medo de falar,
Por haver tanto por dizer,
As palavras estão lançadas,
Por mais que se queiram esconder.

Não tenhas medo de ouvir,
Por haver tanto por contar,
As vidas não estão desmanchadas,
Por mais que se tentem quebrar.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Águas


Ainda

E por mais vezes que o sol se ponha,
É em ti que penso,
É em ti que me perco,
É contigo que sonho.

Pela impossibilidade de te ter,
Pelas vezes que te abraço,
Pelas vezes que me despeço,
Pelas vezes que te leio e que te ouço.

E por mais vezes que a lua suba,
É sempre a nós que nos vejo,
Num passado presente,
Num futuro eminente.

Pelas vezes que te tive,
Pelas vezes que me adoras,
Pelas força com que me abraças,
Pelas vezes que me lês e que me ouves.

E por mais vezes que o mundo acabe,
Saberei sempre onde te encontrar,
Saberás sempre o que me dar,
No nosso lado da árvore.


Nós

Eu sei que vou te amar,
Por toda a minha vida eu vou te amar,
Em cada despedida eu vou te amar,
Desesperadamente, eu sei que vou te amar,
E cada verso meu será,
Para te dizer que eu sei que vou te amar,
Por toda minha vida,
Eu sei que vou chorar,
A cada ausência tua eu vou chorar,
Mas cada volta tua há de apagar,
O que esta ausência tua me causou,
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver,
A espera de viver ao lado teu,
Por toda a minha vida.

Vinicius de Moraes

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Burrices


Revelação

Sob a luz,
Não há quem não se revele,
Não há quem não se busque,
Nem quem se complique.

Sob o sol,
Não há quem se modifique,
Não há quem se limite,
Nem quem se prive.

Sob o amor,
Não há quem se oculte,
Não há quem se culpe,
Nem quem não se permita.

Elen

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

domingo, 14 de outubro de 2007

Separação

De repente do riso fez-se o pranto,
Silencioso e branco como a bruma,
E das bocas unidas fez-se a espuma,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento,
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante,
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Kafka


Contenção

As palavras são pesadas,
Quando as queremos conter,
A luz desvanece-se,
A vontade parece desaparecer.

As lágrimas são vidradas,
Quando as queremos conter,
Quando rolam pela face,
Fazem o coração doer.

As angústias são vincadas,
Quando as queremos conter,
Quando nos apertam o peito,
E nos fazem sentir morrer.

Os sorrisos mais queridos,
Quando os queremos conter,
Não devem passar despercebidos,
Não os podemos perder.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Babuja


Viagem

Hoje não sei escrever,
Porque não sei sentir,
Sinto apenas o mundo girar,
Mas não me vejo cair.

Novos desafios prevêem,
Que a rota pode mudar,
Que todos os caminhos,
Um outro rumo me vão mostrar.

E nesta nova viagem,
Ainda vos vou carregar,
Porque fazem parte de mim,
E não vos posso abandonar.

Quando chegar vou brilhar,
Os olhos do chão levantar,
E quem sabe descobrir,
Que consigo voltar a amar.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O sentir

estou demasiado por aí
onde ninguém quer ir
nesta constante espera
do resto dos minutos

e por aí me desfaço
na teia da cidade

cruzadas linhas

das mãos
imaginário traço.

Alberto Estima de Oliveira (Estrutura I)

Respeito


terça-feira, 9 de outubro de 2007

Vendaval

Entro pela tua porta,
Como um vendaval,
Remexo na tua vida,
Impeço a tua saída.

Empurro-te contra o chão,
Suspiro a tua inquietação,
Faço de ti a minha tentação,
Consumo o teu coração,
E sozinho enfim,
Vais querer-me só a mim.

Os teus olhos vão-me olhar,
A minha voz vai-se arrastar,
De encontro a ti,
Sobre ti,
Em ti,
E sozinho enfim,
Vais querer-me só a mim.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Pureza


Beleza


Leveza


Histórias

Era uma vez,
Começa sempre assim,
Mas se te voltasse a ter,
Estarias para sempre em mim,
Caminhava para ti e sorria,
Dava-te a mão e não a largava,
Olhava-te nos olhos,
E via-me feliz,
Sentia-me feliz,
Fazia-te feliz,
Matava a nossa saudade,
Enterrava todas as palavras,
Todos os gestos,
Todos os desgostos,
Encontrava o nosso lugar,
Gravava a nossa história,
Traçava-a na nossa memória,
E o tempo ao passar nos diria,
Que nada mais nos desgastaria,
Que lado a lado continuaríamos,
E que felizes para sempre seríamos,
Porque acaba sempre assim.

sábado, 6 de outubro de 2007

Bello


Naufragar

Sei de cor cada lugar teu
atado em mim, a cada lugar meu,
tento entender o rumo,
que a vida nos faz tomar,
tento esquecer a mágoa,
guardar só o que é bom de guardar.

Pensa em mim, protege o que eu te dou,
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou,
sem ter defesas que me façam falhar,
nesse lugar mais dentro onde só chega,
quem não tem medo de naufragar.

Fica em mim que hoje o tempo dói,
como se arrancassem tudo o que já foi,
e até o que virá e até o que eu sonhei,
diz-me que vais guardar e abraçar,
tudo o que eu te dei.

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos,
e o mundo nos leve para longe de nós,
e que um dia o tempo pareça perdido,
e tudo se desfaça num gesto só.

Eu vou guardar cada lugar teu,
ancorado em cada lugar meu,
e hoje apenas isso me faz acreditar,
que eu vou chegar contigo,
onde só chega quem não tem medo de naufragar.

Mafalda Veiga

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Ferro


Palavras

Não dizia palavras,
Aproximava apenas um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta,
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.

Entre os ossos a angústia abre caminho,
Ergue-se pelas veias,
Até abrir na pele
Jorros de sonho
Feitos carne interrogando as nuvens.

Um contacto ao passar,
Um fugidio olhar no meio das sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Iguais em figura, iguais em amor, iguais em desejo.

Embora seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta ninguém sabe.

Luís Cernuda

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Amizade


O sentir

sentámo-nos
no limite da amizade
e trocámos
os lugares
criando novo corpo
outra constelação

espaço
onde começa
a vida

Alberto Estima de Oliveira

Vistas


Tempos

“Perdeste o teu coração,
Mas ainda acreditas,
Poder morrer de amor.”

A vida é demasiado dura,
Para ficar a relembrar,
O passado está vivido,
Talvez nos lembre que foi sofrido,
Mas chorar uma vida inteira,
Não nos fará mudar.

A vida é demasiado pura,
Para ficar a arrastar,
O presente é vivido,
Talvez o mais indeciso,
Mas adivinhar uma vida inteira,
Não nos fará mudar.

A vida é demasiado curta,
Para ficar a divagar,
O futuro está incerto,
Talvez lembre um deserto,
Mas esperar uma vida inteira,
Não nos fará mudar.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Círculo


Volta

Sinto uma saudade,
Que de mansinho me invade,
Uma chama que me consome,
Sobre um sentimento que não morre.

Não te posso olhar,
Não te posso falar,
Não te posso sorrir,
Não te posso tocar,

Sinto uma tristeza,
Que me ataca com leveza,
Um calafrio que me percorre,
Sobre um sonho que não dorme.

Não te posso querer,
Não te posso ver,
Não te posso sentir,
Não te posso ter.

Sinto uma alegria,
Que não me deixa conter,
Uma espécie de euforia,
Sobre a ideia de a ter.

Não a quero esquecer,
Não a posso perdoar,
Não a quero perder,
Não a posso voltar a amar.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007