quinta-feira, 22 de maio de 2008

Ninho


Sem-Fim

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.

Cecília Meireles

Rochedo


LXXXIX

Quando morrer quero as tuas mãos nos meus olhos:
quero que a luz e o trigo das tuas mãos amadas
passem uma vez mais em mim a sua frescura:
que sintam a suavidade que mudou meu destino.

Quero que vivas enquanto eu, dormindo, te espero,
quero que os teus ouvidos continuem a ouvir o vento,
que sintas o perfume do mar que ambos amamos
e continues a pisar a areia que pisamos.

Quero que tudo o que amo continue vivo,
E a ti amei-te e cantei-te sobre todas as coisas,
Por isso fica tu florescendo, florida,

Para que alcances tudo o que este amor te ordena,
Para que esta sombra passei pelos teus cabelos,
Para que assim conheçam a razão do meu canto.

Pablo Neruda

domingo, 18 de maio de 2008

Mar


Cativeiro

Quando é que o cativeiro,
Acabará em mim,
E, próprio dianteiro,
Avançarei enfim?

Quando é que me desato
Dos laços que me dei?
Quando serei um facto?
Quando é que me serei?

Quando, ao virar da esquina,
De qualquer dia meu,
Me acharei alma digna,
Da alma que Deus me deu?

Quando é que será quando?
Não sei. E até então,
Viverei perguntando:
Perguntarei em vão.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Campo


Serenata

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

Cecilia Meireles

Avenida


 

Montanhas

Se não houvesse montanhas!
Se não houvesse paredes!
Se o sonho tecesse malhas
e os braços colhessem redes!

Se a noite e o dia passassem
como nuvens, sem cadeias,
e os instantes da memória
fossem vento nas areias!

Se não houvesse saudade,
Solidão nem despedida...
Se a vida inteira não fosse,
Além de breve, perdida!

Eu não tinha cavalo de asas,
que morreu sem ter nascido,
E em labirintos se movem,
Os fantasmas que persigo.

Cecília Meireles

domingo, 4 de maio de 2008

Monsaraz


O teu nome

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante
que todas as estrelas
e mais dolente
que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Garcia Lorca

Monsaraz


Forte da Figueira


Há noites

Há noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.

Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.

Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.

Autor desconhecido

Porto Mós